“ ...pois minha carne é comida e meu sangue é bebida, aquele que come minha carne e bebe meu sangue mora em mim e eu nele...” – João 6, 54-55Um pintor como homem, se propõe a tarefa de esboçar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de montanhas, de baías, de aves, de peixes, de habitações, de pessoas... Pouco antes de morrer, descobre que este paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto. As linhas formam imagens entendidas etérea, sem substância, construída com luz e cores. É dádiva ao olhar.
As palavras, etérea, têm poderes muito maior que o de simplesmente produzir imagens. O autor do livro “O ARCO E A LIRA”, Octávio Paz diz: “Palavras e coisas sangram pela mesma ferida”. As palavras sangram? Sangram coisas? As palavras são sangue? E Nietzsche achava que sim: “De tudo aquilo que se escreveu amo aquilo que o homem escreveu com seu próprio sangue” (FN (II), p.579 – Assim Falou Zaratustra).
Os textos evangélicos oferecem semelhante posição, afirmando igualdade, Corpo = Palavra. Segundo o Evangelho de João, o milagre da encarnação pode ser descrito como a transformação da Palavra em Corpo: “... e o Verbo Se fez Carne”.
Sendo assim, a Eucaristia para os Cristãos é a transubstanciação, que de modo analítico, para outros, não cristãos é uma metamorfose alquímica pela qual uma substância é transformada em outra: O Pão e o Vinho se tornam Corpo e Sangue.
Quem lê bebe o sangue de quem escreveu. A leitura é mais que a produção de imagens oculares, imagens são comida. Os olhos querem comer, querem ser boca. A tristeza dos olhos é que eles não podem comer tudo o que vêem. A leitura se faz com imagens comestíveis que, depois de comidas, circulam no sangue de quem a leu.
A Sagrada Escritura nos dá por via de passagens, capítulos e versículos o Sangue e o Corpo de Deus, pois Deus, pois Deus inexaurível em misericórdia e inspiração convida e dá um banquete, codinome Bíblia. Os profetas e os apóstolos no fim de suas vidas descobriram que, o que escreveram não era um labirinto paciente de palavras que esboçava traços de seus rostos, mas absorto em inspiração divina, essas linhas formava o rosto Daquele que os havia chamado, afirmando assim existência de um único Deus que não e não quis amar a distância e se fez homem. Armou sua tenda entre os seus.
Quando lemos a Sagrada Escritura “comungamos” do Corpo e sangue de Deus; Palavra implica em Imagem. Imagens são comida aos olhos; ler é beber o Sangue daquele dos quais os profetas e apóstolos desenharam com Palavras.
Assim como um pintor é canal de inspiração artística, os profetas, os apóstolos e os padres foram e são canais de inspiração divina, através da história, Deus se desenha para nós “usando” daqueles a quem chamou.
Contudo hoje, todo ser vivente é canal de Deus. Lendo sendo canal. Vendo sendo canal, bebendo e comendo Deus que está na Palavra. Sobretudo LER!
POR ELIAS DE MELO 1º DE OUTUBRO DE 2003
